WELFARE STATE OU WORKFARE STATE?

A redução do Estado social-econômico, aquele ente que exerce o papel do “grande provedor” de serviços para a população, como redistribuidor da renda através de políticas públicas abrangentes e inclusivas, é renegado pelos liberais a partir da formulação do conceito de “estado mínimo” , ou seja, menos Estado nas relações entre os indivíduos ou grupos.

No modelo liberal, o governo não interfere na produção de bens e serviços, cabendo tal atribuição ao mercado, a competição é estimulada e o controle estatal restringe-se a mediação, via regulação e vigilância, dessas relações entre os grupos ou entre indivíduos. Os serviços, em sua maioria, são concedidos ao mercado, e este regula as inclusões e, obviamente, os “despossuídos” financeiramente estão excluídos da rede de proteção social. Essa é uma lógica maximizadora – “fazer mais com menor custo”.

Entretanto socialistas e comunistas repudiam essa lógica a partir de uma alegada contradição contida nela mesma: como supor que todos possam maximizar-se sem que haja utilidade de um bem produzido por um em relação ao produzido por outro? Como poderia um empresário, digamos, um industrial, aumentar sua produção, suas vendas, sem a utilização de uma mão de obra qualificada, competente e bem remunerada? Será viável supor que ele poderia maximizar-se reduzindo salários ou demitindo funcionários? Assim sendo, para a “esquerda”, ela não resiste a uma observação empírica nesse mister.

Entretanto o seu oposto - o “mais Estado” - é tão nocivo quanto um Estado meramente judicial e policial, principalmente em países de pouca tradição democrática ou que possuam governantes demagogos e populistas; é o que ocorre quando transformam este Estado num voraz devorador de impostos sem a contrapartida da prestação de serviços para a população.

Uma crítica que emerge do estudo do conceito de proteção pelo “estado mínimo” é que sua única dimensão redistributiva refere-se à produção de serviços judiciários e policiais para os cidadãos. Esta seria a única atividade onde, caso lançada ao mercado, uma competição traria efeitos devastadores. Sendo assim, admite-se o monopólio do uso da força por ele; contudo poder-se-ia supor que outras atividades com as mesmas características pudessem também pertencer ao governo, mas seu criador,

Robert Nozick, não admite tal possibilidade.

A redução do estado social e econômico, nessa lógica pregada por Robert Nozick, traz em contrapartida um “mais estado” policial e penitenciário, através da criminalização de condutas e da incriminação cada vez maior de indivíduos, pela penalização da miséria e pela imposição do trabalho assalariado precário e sub-remunerado como forma de inclusão econômica. Essas são as medidas que se tornam catastróficas em países de pouca tradição democrática ou sem ela, onde seus efeitos tendem à vertente da violência e do desrespeito aos direitos humanos, uma discriminação econômica.

Loïc Wacquant descreve a “febre neo-liberal” nos EUA e em diversos países europeus, bem como a difusão de uma política pública característica do “estado mínimo” : o programa “Tolerância Zero” da cidade de New York. A propósito da redução do Estado Social e conseqüente aumento do Estado Penal, diz:

“Pois à atrofia deliberada do Estado Social corresponde a hipertrofia diatópica do Estado Penal: a miséria e a extinção de um têm como contrapartida direta e necessária a grandeza e a prosperidade insolente do outro.” (p. 80).


Se Nozick sugere que o próprio mercado solucione os problemas decorrentes dos conflitos entre indivíduos ou grupos, através da competição, das associações espontâneas, das pressões de mercado, da maximização do trabalho e do auto-interesse racional, independentemente da ação estatal, cabe então questionar: para que Estado?

Entretanto ao defender o “estado mínimo”, Nozick estabelece as fronteiras da ação estatal: tais limites situam-se no que as pessoas podem ou não podem fazer umas às outras; essa rede de proteção universal e não diferenciada, dirigida sem distinção a todas as pessoas, inclusive àquelas que não pagaram por ela é o que ele chama “estado mínimo”.

Ocorre que num regime de mercado não interessa prestar um serviço e, diga-se de passagem - um serviço caro - a quem não pode pagar; assim é imperioso que se imponha o trabalho assalariado aos miseráveis, para que sejam “incluídos” na rede de proteção e, através do monopólio do uso da força, criminalize-se a miséria. São os princípios do “Éden Liberal” que se materializaram sob a batuta de Rudolph Giuliani em New York.

Nada mais lógico, uma vez que o “Tolerância Zero” é o complemento policial indispensável do encarceramento em massa. Acrescente-se um “tempero vil” a essa receita: a privatização do sistema penitenciário. A lógica da “produtividade” tangencia a tênue barreira da “escravização”. É o que ocorre quando construir e administrar prisões se transforma em “business”.

A substituição do welfare state por um workfare state, a redução do Estado Social a um Estado Penal (ou Estado Mínimo), a imposição do trabalho assalariado precário e a criminalização da miséria são as críticas que se evidenciam na abordagem da redução pura e simples do Estado, minimizando seu alcance tão somente a prestação dos serviços judiciários e policiais. O pressuposto para tal adoção é a de que exista um mercado fortalecido pela inclusão da maioria da população, para que os cidadãos possam pagar pelos demais serviços que não são prestados pelo Estado, a exemplo da saúde e da educação.

No Brasil, há décadas, arraigou-se no ideário da sociedade o conceito de que “o Governo é um mau empresário”, ou seja, algumas empresas públicas, por conta de nomeações políticas para a ocupação de postos-chave, tornaram-se deficitárias por se transformarem em “cabides de emprego”. E o que aconteceu? Abriu-se caminho para o liberalismo, as privatizações, o “menos Estado” ou “Estado mínimo”, quando o problema não estava no fato da empresa ser pública ou privada, mas na incompetência funcional de quem a dirigia.

O que se vê agora é o inverso: um Governo (?) que prega o “mais Estado”, mas permanece restrito a retórica, pois adota a mesma política econômica do regime que alegava ser “neo-liberal”, maximizando as nomeações políticas numa espécie de “faça o que digo, mas não faça o que faço”.

Talvez, na lógica enviesada deste Governo (?), “mais Estado” signifique “mais nomeações no Estado”, ou será que a “esquerda vagabunda” conseguiu reinventar a roda?

De um só golpe teria conseguido maximizar a abrangência de serviços inerentes ao Estado e promovido a propalada “justiça social”. Este poderia ser o seu discurso, mas o que se vê está em total disjunção desta retórica.

Por outro lado temos que abandonar o pieguismo de querer copiar modelos prontos achando que ali estará a solução de todos os problemas. O pior é que diante de uma catástrofe sempre aparecem os “falsos profetas” que trombeteiam tais paradigmas com autoridade de um autêntico especialista no assunto.

Coisas do tipo: “Operação Mãos Limpas”, “Lei italiana de bloqueio de bens” ou o tal “Tolerância Zero”, nos moldes que foi aplicado (e já modificado e descartado) na cidade de New York na gestão do Prefeito Rudolph Giuliani.

Naquela época muitos países europeus tentaram copiá-lo e colheram retumbantes fracassos – dentre estes o Reino Unido, a Alemanha, a França e os Países Baixos.

Num país como o Brasil, com suas dimensões continentais, modelos de políticas públicas obtêm resultados díspares até mesmo entre as suas regiões – o que vale para o norte pode não ser adequado para o centro-oeste, ou para o sudeste, simultaneamente – então, o que dizer de um “modelo importado”?

Sobre a “privatização do sistema carcerário”, outro modelo norte-americano que já propuseram para o nosso país alguns desses “especialistas de ocasião”, têm que serem avaliadas cuidadosamente diversas variáveis que distanciam a cultura anglo-saxônica da nossa.

Mas isso é matéria para um outro debate.

[1] Wacquant, Loïc – As prisões da miséria, 2001.


POR ALEXANDRE, THE GREAT

6 comentários:

Anônimo disse...

É interessante, mas muito pra minha cabeça.
Alguém aí falou sobre o Tolerância Zero do Bill Bratton, na administração Giuliani. Há muita contradição sobre os resultados, que sem dúvida foram positivos mas não os totais responsáveis pela queda da criminalidade à época, mas o texto tende a apontá-lo como falho, o que demonstra falta de conhecimento sobre o programa.
De qualquer forma, ainda sobre a questão dos texto, eu sempre gostei da idéia de estado mínimo. enche as ruas de policiais bem treinados e equipados, fuzila a velharada do judiciário e coloca uns meninos mais novos pra trabalhar, pode apostar que eles andam na linha.
Quanto ao povo, bom, a geração atual, a minha, a sua, a dos nossos país está condenada, já era. As 2 próximas gerações me metem medo, acho que elas conseguirão fazer o que não tivemos tempo, trazer o caos e a total degradação humana.
Não liga Saramar, hoje eu tô produzindo bílis como nunca. rsss
Um beijo, bom domingo

Glênio Gangorra disse...

Só um Estado laico e subserviente poderá levar a cabo a vitória do movimento bolivariano e a igualdade nacional-socialista em toda a amperica latina. Viva Fidel. Fora Bush.

Luma Rosa disse...

A Inlaterra fez de tudo pra acabar com a escravidão em época de revolução industrial. Parece que o modelo anglo-saxão está mesmo longe de ser adotado no mundo. O cidadão ainda depende do Estado, mas o Estado é autônomo?
Boa semana! Beijus

tunico disse...

Saramar, como em tudo nesta vida, deve predominar o equilíbrio e o bom-senso. Estado mínimo ou Estado máximo não estão dentro dos preceitos de equilíbrio e bom-senso. O ideal seria o Estado-Suficiente.Ou se quiser, Estado Justo De acordo com a realidade de cada segmento da sociedade.O que me admira na sociedade norte-americana é exatamente o sentido correto de Federação. Cabe ao Poder Central(Congresso Nacional e Presidência da República) determinar as regras mínimas e aos componentes federativos(Assembléias Estaduais e Governadores) ajustarem e/ou complementarem estas regras à realidade de seu próprio segmento da sociedade. Os americanos vão mais longe ainda. Os Condados e Prefeitos têm liberdade de complementarem as regras e têm voz ativa nos Estados e estes, no Congresso.A democracia desta forma é praticada debaixo para cima na busca do Estado Justo. Aqui não. É o contrário.Porisso sou a favor do voto distrital.Talvez, aquilo que sempre ouvimos (que não participamos porisso somos culpados, etc.) se torne letra morta à medida em que possamos nos organizar em células menores, eleger nosso representante que conhecemos e por meio dele fazer com que nossa voz seja ouvida em instâncias superiores.Quem sabe dessa forma a nossa sociedade silenciosa levante a bunda da cadeira e reclame diretamtne para um interlocutor eficaz.

Santa disse...

Saramar,

Concordo, não existem teorias iguais para diferentes culturas.

No caso brasileiro vivemos meio a ineficiência e as contradições, a começar por Lula que usa um discurso contra o Estado Mínimo (se é que ele sabe o que é isso) e adota um Estado-Obeso.

Anônimo disse...

Aqui no Brasil, ESTADO DE BEM ESTAR SOCIAL significa que nós, contribuintes trabalhamos e damos muito de nossos rendimentos para o ESTADO financiar o BEM ESTAR dos políticos, que vivem falando do SOCIAL mas se aproveitam dele!