CRACOLÂNDIA X SARNEYLÂNDIA

Assim como em várias cidades brasileiras existe a cracolândia, em Brasília (pobre cidade tomada pelo crime muito bem organizado e engravatado), há a sarneylândia. Tanto uma como outra, perigosas, formadas por pessoas desqualificadas que vivem à margem da vida real, estupidificadas por drogas igualmente nefastas. Para o cidadão "comum", vítima de ambas as lands, restam a indignação, o medo e a impotência.

Na cracolândia, as pessoas são mais honestas. Assumem sua condição de marginais (mesmo porque não têm alternativa) e desvelam a violência inerente às suas necessidades e ao seu estado, em atos e palavras. Andrajosos e malcheirosos, vivem de si para a droga e nada mais importa. São seres estranhos e sem identidade, afastados da sociedade que, em vista de leis ideologicamente desastrosas, pouco pode fazer por eles, muito menos salvá-los de si mesmos. Outro dia, um deles perguntado por sua família, respondeu: "Família? Que família? Eu estou morto há quinze anos", tempo em que se tornou usuário do fatal crack.

Na sarneylândia é diferente, apesar de igualmente funesto. Com uma ou duas exceções, as pessoas são desonestas, falsas, mentirosas, cínicas. Arrogam-se de defensores da democracia enquanto se utilizam de suas instituições para criar uma legislação autocomplacente (não sei mais escrever isso) que as auxilia na rapinagem, defende-as nas falcatruas e as protege de qualquer punição. A violência decorrente das ações destas pessoas é dispersa na vida de todos os cidadãos de forma mais cruel e ruinosa, pois é provocada pelo pior entorpecente: a sede de poder e a ganância sobre o alheio.

Na sarneylândia, os seres também são estranhos, porém identificáveis e identificados (apesar de existir fantasmas e “secretas”). Sua estranheza está relacionada à tendência à rapinagem dos cofres públicos em proveito próprio, no que são apoiados pelo líder do país sempre que seja do interesse deste, como bem lembrou a revista The Economist.

Enfatuados e elegantes ou ridículos, os integrantes da sarneylândia frequentam os melhores ambientes (e também os piores), viajam a cidades da moda, como Veneza (muitas vezes, usando o dinheiro público) e sabem tudo de si. Sua consciência é ampla (mas não limpa), principalmente no que diz respeito aos privilégios, às mamatas, às falcatruas aparentemente legais e verdadeiramente imorais a que se acostumaram durante o período em que vivem neste universo que, tal como a cracolândia, é infecto, sinistro e criminoso.

Quanto à família, a sarneylândia é o oposto extremo da cracolândia. Naquela, a família é tudo. A família é imprescindível ao “projeto” dos seus integrantes. É a família que ocupa os cargos, que viaja com passagens pagas pelo erário, que empresta o nome para empresas fantasmas, que guarda dinheiro em casa; enfim, é a família que usa e abusa do que é público como se fosse patrimônio particular. Por isso, muitos comparam a sarneylândia, ora aos redutos coronelistas comuns no século XIX, ora à máfia italiana.

Entre estes dois maléficos redutos, o povo, este eterno e conformado otário vai sendo roubado e violentado mais por um que pelo outro. Escolha o pior, apesar de não termos escolha nenhuma diante de tantos viciados.

P.S.: O termo "sarneylândia" foi retirado de um excelente texto que recebi por email e que pode ser lido aqui.

4 comentários:

Fábio Mayer disse...

Texto perfeito!

E o problema maior é que a Sarneylandia existe no Senado, no Maranhão e no Amapá.

Mas existem outras "lândias" pelo Brasil afora, sejam elas de olicargas de direita, sejam elas de néo-oligarcas de esquerda a partir de 2003.

Marcos Pontes disse...

Gostei da comparação, Sara. "Na cracolândia são mais honestos, assumem sua condição...". Impressionante como a desculpa forjada por lula - "Eu não sei de nada" - colou e foi aprimorada por Z'El Bigodon.

DO disse...

Parabens pelo texto,Saramar.Infelizmente,além dos tradicionais problemas sociais que temos,somos obrigados a conviver com cânceres como o do coronel bigodudo que mama há décadas.
Beijos!

Guto Leite disse...

Hoje, 14 de julho, dia que se comemora o aniversário da Revolução Francesa, é dia para nos envergonharmos. Dia para lembrarmos os ideais de Liberdade, Igualdade, Fraternidade e nos envergonharmos. Dia para recordar o exemplo que nos foi dado pelo povo francês, e nos envergonharmos de nós. Para nos envergonharmos de nossa falta de iniciativa contra tudo o que este governo faz com a Nação Brasileira. É dia para nos envergonharmos de nossa passividade. Para nos envergonharmos de nosso falso moralismo; de nossa leniência, de nossa falta de vergonha, é dia para nos envergonharmos de um senado que tem 81 senadores e cuja gráfica tem 1100 funcionários, isso mesmo, hum mil e cem funcionários. De nos envergonharmos desse mesmo senado que tem mais de dez mil funcionários para atender 81 senadores. Sequer sei dos números da câmara federal, mas temos de nos envergonhar mesmo sem saber desses números, pois não são melhores que os do senado. Hoje, 14 de julho, dia que a Revolução Francesa nos deu o maior exemplo de como cuidar da Res Publica, é dia de nos envergonharmos. De nos envergonharmos de nossa pusilanimidade, de nos envergonharmos por deixarmos a decisão dos nossos problemas para os outros. De nos envergonharmos por não votar nulo ou não comparecer para votar como forma de protesto. De nos envergonharmos por não ir para as ruas gritar em protesto contra tudo o que julgamos errado. De nos envergonharmos por viver num país onde um motorista do Senado ganha mais para dirigir um automóvel do que um oficial da Marinha para pilotar uma fragata; onde um ascensorista da Câmara Federal ganha mais para servir os elevadores da casa, do que um oficial da Força Aérea para pilotar um Mirage; onde um diretor que é responsável pela garagem do Senado ganha mais que um oficial-general do Exército que comanda um regimento de blindados; onde um diretor sem diretoria do Senado, cujo título é só para justificar o salário, ganha o dobro de um professor universitário federal concursado, com mestrado, doutorado e prestígio internacional; onde um assessor de 3º nível de um deputado, que também tem esse título para justificar seus ganhos, mas que não passa de um "aspone" ou um mero estafeta, ganha mais que um cientista-pesquisador da Fundação Instituto Oswaldo Cruz, com muitos anos de formado, que dedica o seu tempo buscando curas e vacinas para salvar vidas. Precisamos de um choque de moralidade. Mas não de um choque de moralidade que parta do outro, mas que parta de cada um de nós. Precisamos nos envergonhar dos oportunismos e dos cabides de emprego; precisamos nos envergonhar do destino que dão aos impostos que pagamos com tanto sacrifício. Precisamos nos envergonhar dos currais eleitorais que transformaram o Brasil numa oligarquia sem escrúpulos e sem honra. Precisamos nos envergonhar da nossa imprensa refém do governo, ela mesma que poderia ser o nosso grito de vergonha e de revolta. Mas não é preciso somente nos envergonharmos. É preciso nos envergonharmos e protestar. Protestar nas ruas, no trabalho, nas escolas. Protestar em todo lugar e sempre. Porque sem revolta e sem protesto, cada vez teremos mais coisas das quais nos envergonhar.