BRASIL, O BERÇO ESPLÊNDIDO NA AMORALIDADE

Outro dia, ouvi Ferreira Gullar fazer uma linda interpretação do hino nacional brasileiro, tão repetido nestes dias de copa do mundo.

Segundo o grande poeta, o criticado verso “deitado eternamente em berço esplêndido” não se refere a um ócio perene em que supostamente viveriam os brasileiros. Gullar entendeu que o escritor desta letra do hino se referiu à esplêndida amplidão de nossa terra, onde o país se debruça, eterno e gigante, sob a “luz do céu profundo”.

Eu, tão velhinha, nunca havia conseguido me livrar do estigma de pertencer a um país que vive deitado. Confesso que Gullar me redimiu com este olhar sempre iluminado dos poetas.

A realidade, entretanto, apaga a luz do poeta ao demonstrar que os brasileiros estão mesmo “deitados eternamente” e só se levantam por alguns momentos quando alguns ricos atletas, que vivem lá nos países onde ninguém se deita, vestem uma camisa verde e amarela. Os brasileiros só se erguem do seu berço (esplêndido?) de quatro em quatro anos.

Que o povo brasileiro dorme desde 1500, até as pedras de Sagres sabem. Lembrando Saramago e a cegueira, é como se, desde sempre, vivêssemos cegos, sem o final feliz dos romances quando, finalmente, as pessoas se permitem enxergar. Por aqui, ninguém quer enxergar nada.

A capital do país está rendida por uma máfia antiga e conhecida, mas o STF não quer enxergar nada. O STF dorme em “berço esplêndido”.

Os políticos que mandam no país são aqueles cuja história deveria estar sendo contada nos boletins de ocorrência da polícia. Mas o congresso nacional não quer enxergar nada. O congresso dorme em “berço esplêndido”.

O presidente da república desrespeita a lei eleitoral de forma contínua e acintosa. Mas o TRE não quer enxergar nada. O TRE dorme em “berço esplêndido”.

Todos os brasileiros sabem quem são os políticos mais nocivos à nossa democracia. A justiça sabe, tem provas e conhecimento. Ninguém faz nada. Os cidadãos não vão enfrentar os políticos “face a face” como enfrentam os técnicos de futebol. A justiça não julga os figurões tão rapidamente quanto julgaria um coitado qualquer que vive de pequenos furtos. É o sono comunal no berço esplêndido.

Ninguém se preocupa com a indecência que é usar o dinheiro público para infinitamente criar cargos e empregar pessoas para servirem como acólitos de políticos. Aliás, ninguém se importa com os custos da "corte"  legislativa.

(Na realidade, precisamos de uma revolução francesa para cortar cabeças e privilégios. Ela já tarda, por aqui, principalmente porque estamos adormecidos, sempre).

Ninguém reclama quando o presidente da república enche o seu avião de vassalos e vai passear por todo o planeta em viagens que nada significam para o país (a não ser os malefícios que ele, o presidente, tem o dom de provocar).

Todos estão dormindo quando indivíduos, cuja conduta corrupta, mais que comprovada, dão as cartas no processo eleitoral que não pertence a nenhum partido, e sim, à nação brasileira.

Ontem, estive conversando com dois amigos que moram nos EUA. Eles me falaram dos programas, tipo talk show, onde os jornalistas, sem berço para se deitar eternamente, questionam toda e qualquer autoridade. Lamentei com eles: aqui no Brasil, todos são subservientes ao poder. Não importa se for aquele vereador corrupto que ri para as câmeras, ou o presidente que ri das leis e ainda aceita que sindicatos arrecadem dinheiro para pagar as irrisórias multas do TSE, a ele impostas.

Todos os brasileiros se curvam aos poderosos, como se ainda fôssemos vassalos de alguma maligna corte. Qualquer corrupto “importante” recebe mesuras e salamaleques, tanto dos cidadãos ignorantes quanto da imprensa. O mesmo acontece com estes “astros” do futebol ou do lixo musical. Todos são tratados como se, independente da folha corrida que as delegacias cuidam de esconder, fossem importantes para o nosso país.

O Brasil, infelizmente, acostumou-se a cultuar indivíduos do mais baixo nível moral, desde que estes apareçam praticamente nus nas novelas, nas revistas, nos big brother da vida, ou se escondam sobre palanques mentirosos. O Brasil, infelizmente, apoia o lixo, torce pelos mentirosos e se identifica com os mais indignos falsários, como são, atualmente, os nossos “representantes”.

Praticamente todos os cidadãos deste país estão dormindo no “berço esplêndido” da mentira, da amoralidade, da preguiça, do jeitinho brasileiro. Neste sentido, somos todos iguais: adormecidos, fracos, pusilânimes diante dos criminosos que dominam, não apenas Brasília, mas o país inteiro.

E, quer saber? Somos sim, vassalos, escravos, vis nulidades que se curvam a qualquer corruptozinho de tailleur ou gravata.

Até quando, Brasil?

8 comentários:

Fábio Mayer disse...

Muita gente dorme em berço no Brasil, entre membros do Judiciário, do Executivo e do Legislativo... enquanto estes não levantarem e fugirem das facilidades do empreguismo e das mordomias, isso continua...

Anônimo disse...

enquanto poucos dormem em berço esplêndido, a maioria dorme na lama, o que impressiona é que muitos se acomodam, não exigem seus direitos e não lutam para acabar com essas diferenças.

Anônimo disse...

São 510 anos de sono profundo. Talvez mais dois mil anos despertem os vassalos bolsistas dependentes, muito embora um moralista de verdade tenha passado por aqui há dois mil anos atrás e sua mensagem continua, ou no lixo, ou empoeirada nas prateleiras. Muito pior no caso do povo que só pensa em levar vantagem, certo?

Ferra Mula disse...

Parabéns Saramar, descreveu muito bem a realidade de nossas instituições e essa letargia de um povo ignorante que se acha o máximo quando sacaneia um guarda de trânsito, fura a fila do banco ou da lotérica, ultrapassa pelo acostamento e faz o sinal da cruz quando passa em frente de uma igreja sem nem mesmo saber o porque. Dispertar esse gigante não será tarefa fácil não. As coisas pioram a cada instante.

Um abraço do Airton.

Ferra Mula disse...

Ops.
Acho que estou em estado de desânimo: DESPERTAR e não "dispertar".

Jota Effe Esse disse...

E o que dizer da tal da "ficha limpa"? Já viu que coisa vergonhosa vem acontecendo, com corruptos fazendo tudo pra evitar suas impugnações? E assim eles possam permanecer por muito tempo deitados em berço esplêndido? Meu beijo.

Bill Falcão disse...

Até quando? Bom, o pessoal lá do Planalto vai dizer que será depois do Carnaval, ou da Copa. Só não dizem de qual ano.
Bjoo!!

Unknown disse...

Somente a educação poderá civilizar este pais de burros!