"O JEITO PARTICIPATIVO E POPULAR DE GOVERNAR"

Recebi por email esta excelente matéria. O título do post é do meu amigo que a enviou e reflete bem o teor do artigo. Leia, é muito ilustrativo.

Pobre Rio Grande do Sul que sofreu na carne este " jeito participativo e popular de governar".


César Borges conta a história que tirou a Ford do Rio Grande

A Ford completa nesta semana, no dia 12 de outubro, seis anos de produção de veículos na Bahia.

A fábrica, instalada em Camaçari, trabalha em três turnos e produz 250 mil veículos-ano, batendo todas as metas. A empresa gera 10 mil empregos diretos e 50 mil indiretos.

O ex-governador da Bahia, senador César Borges (PR) resolve, pela primeira vez, contar a verdadeira história que tirou a Ford do Rio Grande do Sul para ser instalada no Nordeste, mudando o perfil industrial da Bahia.

O senador baiano (que trocou o DEM pelo PR na semana passada) comemora que, junto com a Ford, se instalaram 32 empresas fornecedoras, que fazem parte do complexo geral da montadora de automóveis, além de empresas fabricantes de pneus, como Pirelli, Continental, Firestone.

O projeto é um sucesso absoluto, com 75% de produção própria local, mudou o perfil industrial da Bahia e deu credibilidade ao estado para que inúmeras outras indústrias dos diversos segmentos se instalassem em território baiano. Um projeto que não estava inserido nos planos iniciais da montadora era o de levar o centro de desenvolvimento para lá. Isso aconteceu e mais de 250 engenheiros saíram de São Paulo para residir na Bahia. A decisão teve impacto imediato também na universidade federal que, imediatamente, viu-se obrigada a criar cursos específicos para a indústria automobilística. "O consumo, a pesquisa, o ensino, o conhecimento aprofundou-se e cresceu com a presença da Ford na Bahia", assinala Borges.

E comenta, "Olívio Dutra, terminou perdendo o governo do Estado, em função dessa decisão equivocada, mas paciência, cada um responde por seus erros, acertos e conseqüências".

Jornal do Comércio - O governo baiano tirou a Ford do Rio Grande do Sul?

César Borges - Nós nunca tiramos empresas do Rio Grande do Sul para levar para a Bahia. O que nós fizemos, na verdade, foi dar condições para que essas empresas se expandissem para o Nordeste brasileiro, que é um grande mercado consumidor. Nós temos várias indústrias do Rio Grande do Sul que se expandiram na Bahia, principalmente, no setor calçadista.

JC - Quando vocês começaram a se interessar pela Ford?

Borges - Em 1998, assumi o governo do estado e, no Rio Grande do Sul, assumia o governo do Olívio Dutra, do PT. Nesse momento e, um pouco mais adiante, ao longo dos anos de 1998 e 1999, nós verificamos que os projetos automobilísticos que tinham optado pelo Rio Grande do Sul, que tinham optado pelas vantagens que o Estado dispõe, estavam tendo dificuldades em manter os seus entendimentos realizados com o governo anterior. Isso era noticiado em toda mídia nacional. A GM e a Ford tinham problemas com o governo do Rio Grande do Sul, que não estava mantendo aqueles acordos firmados pelo governo Antônio Britto. Então, o governo Olívio Dutra estava querendo rever todos esses contratos e as notícias saíam e nós acompanhávamos com interesse, pois era nossa obrigação. Em determinado momento, o jornal Estado de São Paulo publicou uma manchete onde dizia assim: "GM e Ford poderão sair do Rio Grande do Sul por falta de entendimento." Até hoje, eu guardo essa manchete.

JC - Foi aí que vocês resolveram fazer um anúncio publicitário para chamar a Ford e a GM?

Borges - Nosso setor de marketing, de comunicação do governo, me propôs um anúncio: "GM e Ford venham para Bahia, aqui se cumprem acordos". Eu achei que aquilo poderia ser um pouco agressivo. Discutimos um pouco a respeito e verifiquei que não era exatamente para que a Ford e a GM viessem para a Bahia, mas era muito mais para dizer às empresas e ao mundo empresarial brasileiro que, na Bahia, se nós assinássemos ali um protocolo de compromisso, valia. Valia e não seria modificado posteriormente. Terminei cedendo para que fosse publicado, mas apenas no Estado de São Paulo, que foi o jornal que publicou aquela manchete. E para minha agradável surpresa, em uma semana, eu estava sendo contatado pela Ford, perguntando se era pra valer aquele anúncio. Eu disse: Claro que é pra valer!

JC - Como foi a reação dos gaúchos quando souberam da mudança?

Borges - A primeira vez que nós colocamos o anúncio, eu acompanhei o noticiário no Rio Grande do Sul, e se dizia: Ah, esses baianos são uns brincalhões. Isso é uma brincadeira! A Ford não sairá do Rio Grande do Sul e não era minha intenção tirar a Ford do Rio Grande do Sul. Na verdade, foi o governo do Rio Grande do Sul que não teve a compreensão de que era preciso negociar a ponto que ela ficasse. Posteriormente, quando assinamos o protocolo de intenção com a Ford, eu também acompanhei o noticiário gaúcho. Aí, as pessoas já compreenderam que era um fato consumado e começaram a fazer críticas ao governo, dizendo que ele não tinha negociado a contento.

JC - Porque a GM também não foi para a Bahia?

Borges - A GM já tinha iniciado a construção dos galpões e a infra-estrutura, era o projeto mais adiantado. A Ford estava, na verdade, com um atraso no cronograma empresarial da implantação dessa nova unidade. Outro fato interessante é que o projeto que foi negociado pela Ford com o Antônio Britto, era um projeto, que tinha um limite de 120 mil carros/ano. E esse projeto, o Rio Grande do Sul não queria bancar, não queria cumprir, não queria efetivar. Ora, se eles tinham problema com um projeto de 120 mil veículos, imagine com um projeto de 250 mil, que precisaria de muito maior apoio por parte do governo do Rio Grande do Sul. As negociações estavam praticamente encerradas e o presidente da Ford me disse: Olha, eu acho que não tem como esse projeto seguir no Rio Grande do Sul.

JC - O governo gaúcho podia menosprezar um projeto como esse?

Borges - Um projeto de 250 mil carros era um projeto grandioso em qualquer lugar do mundo.

JC - Quais empresas foram para a Bahia junto com a Ford?

Borges - Junto com a Ford, foram 32 empresas fornecedoras que faziam parte do complexo-geral da Ford e outras empresas de pneus, como por exemplo, Pirelli, Continental e Firestone, que foram e se implantaram na Bahia nos anos seguintes.

JC - Qual é a brincadeira recorrente sobre este episódio na Bahia?

Borges - Lá na Bahia, nós costumamos brincar que é preciso se construir uma estátua para o ex-governador Olívio Dutra, em agradecimento à presença (risos) da Ford na Bahia. Porque senão fosse a falta de compreensão dele, a Ford, provavelmente, estaria no Rio Grande do Sul, mas felizmente, graças ao Senhor do Bonfim, eu diria um pouco à competência dos governos, eu era governador à época, me sinto extremamente orgulhoso. Tenho aqui na minha sala, vocês podem ver ali (aponta quadro com foto da fábrica) uma foto. Complexo de 500 mil metros quadrados. Nós instalamos isso em um ano e pouco e colocamos em funcionamento, foi uma instalação super-rápida. Eu ia, praticamente, toda semana no canteiro de obras, porque o estado se encarregou de fazer toda a infra-estrutura. Nós construímos até um porto para que a Ford pudesse exportar com mais facilidade e importar os seus produtos.

JC - Qual foi o impacto econômico na cidade de Camaçari?

Borges - Foi um sucesso, a cidade de Camaçari teve um impacto extremamente positivo e os trabalhadores são praticamente todos baianos. Uma coisa que não foi contratada à época, mas que terminou acontecendo: a Ford levou seu centro de desenvolvimento para lá. Só o centro de desenvolvimento que ela fez levou mais de 250 engenheiros, que saíram de São Paulo para residir na Bahia. A Universidade Federal da Bahia criou cursos específicos para indústria automobilística. Quer dizer, uma série de desenvolvimento.

JC - Como o senhor avalia essa decisão do governo do Rio Grande do Sul? Faz sentido isso?

Borges - Para você levar uma indústria para o estado fora desse eixo de São Paulo, o governo estadual costuma negociar o que pode fazer de infra-estrutura, o que pode disponibilizar em nível de empréstimo, em nível de apoio fiscal. Sempre tem que haver, porque as indústrias, às vezes, têm necessidade de ter esse apoio, esse aporte por parte dos governos estaduais. Eu acho que para o governo gaúcho da época faltou a visão de que era importante para o desenvolvimento industrial do Rio Grande do Sul, você participar um pouco mais, ou com a infra-estrutura, ou com apoio fiscal. Há quem acuse que nós praticamos a guerra fiscal. Na verdade, no Nordeste, nós não temos uma tradição industrial forte como se tem, por exemplo, no Rio Grande do Sul. Nós precisávamos fazer um esforço e nós fizemos. Não é guerra fiscal, mas é uma política avançada, uma política firme, determinada, para tentar poder atrair novas indústrias, eu acho que faltou, talvez, essa visão no Rio Grande do Sul. Acharam que uma condição já estabelecida. Acharam que diante das vantagens comparativas locacionais do Rio Grande do Sul, a empresa não sairia de lá. E nós cobrimos uma diferença de custo, que era demonstrada. Negociamos. Eu acho que faltou talvez essa visão do estado.

JC - Quais foram as maiores dificuldades encontradas?

Borges - Era demonstrado de que uma fábrica de automóveis no Nordeste brasileiro teria um custo adicional, em função de que, por exemplo, a chapa de aço sairia de Minas. O carro, a produção, boa parte é exportada, boa parte vai também para São Paulo, não é exportada, mas é de certa forma distribuída em São Paulo, que é o grande mercado consumidor. Isso daria um diferencial de custo. Nós negociamos exaustivamente. Não temos nada mais do que o mínimo necessário, mas sabíamos que o impacto direto e indireto seria muito grande, que retornaria muito brevemente para os cofres do estado, seja em nível de arrecadação de impostos, seja em nível de impacto de geração de emprego, de renda, de desenvolvimento.

JC - E a questão do desemprego na Bahia?

Borges - Eu não lhe diria que o problema de desemprego se resolve com uma única indústria, mas resolve, é um conjunto atrelado à economia do País. Se a economia estiver crescente, vai ser mais fácil você resolver o problema dos estados. Se tiver crise, ao contrário. Mas eu não tenho dúvida que uma empresa do porte de uma Ford, com essa magnitude, com esse número de empregos e o efeito de que há uma indústria de ponta instalada no estado, ele é multiplicador, ele tem conseqüências, que se reflete em empresas prestadoras de serviço, empresas de mão de obra, empresas de manutenção de instalação industrial, empresas de fabricação de vestuário, empresas que são educacionais. O município de Camaçari, até no nosso acordo, recebeu uma série de benefícios na área da saúde, do transporte público, uma série de coisas.

JC - Mudou a qualidade de vida...

Borges - Sem sombra de dúvida, foi um impacto extremamente positivo em toda região.

JC - Pedro Parente estava na Casa Civil. Ele teve alguma participação efetiva nessa decisão?

Borges - Nós conversamos muito com ele e somos muito gratos porque ele teve a compreensão de que era necessária a redistribuição da indústria automobilística, colocando uma no Nordeste.

JC - O secretário da fazenda, Arno Augustin, teve alguma participação?

Borges - Arno Augustin, que era secretário da Fazenda, não tergiversou. Não quis saber! Eram 120 mil veículos e, na verdade, o projeto foi para 250 mil. Se não queriam cumprir para 120 mil carros, muito menos para 250 mil.

JC - Qual foi a participação de Fernando Henrique Cardoso nesse episódio?

Borges - Eu me recordo de uma conversa com o presidente Fernando Henrique Cardoso, que está no seu último livro. Ele cita o entendimento comigo e a pressão que ele sofreu: pressão baiana, pressão política, pressão no bom sentido. Nós tínhamos que fazer, porque os incentivos não eram apenas do governo da Bahia, mas precisava o incentivo na parte do IPI, do governo federal. Eu me recordo que concluído o processo, procurei o presidente Fernando Henrique para agradecer o resultado final. E o presidente me deu uma frase assim, que eu achei muito interessante: Olha governador César Borges, era preciso que tivesse um paulista na presidência da República para poder dar ao Nordeste essa possibilidade. Porque se fosse um nordestino, ele não resistiria à pressão da concentração que existe em São Paulo. Então, só um paulista foi que conseguiu segurar a pressão de São Paulo, porque São Paulo também queria que ficasse por lá a Ford.

JC - Porque o Rio Grande do Sul perdeu a Ford?

Borges - Eu quero dizer que quando o Rio Grande do Sul perdeu a Ford, ele não perdeu para a Bahia. Perdeu porque não negociou corretamente, não deu o que a empresa achava que era necessário para viabilizar o seu projeto. Ficou a disputa com Pernambuco, outros estados, Espírito Santo e, principalmente, a força de São Paulo.

JC - O senhor acha que uma postura como essa compromete uma eleição?

Borges - Eu não tenho dúvida, compromete para a vitória ou para a derrota. No caso da Bahia, quando nós estávamos com a Ford assegurada, nós dissemos assim: Vamos ganhar duas eleições com esta conquista e ganhamos. Uma para prefeito municipal, que houve em 2000 e, em 2004, ganhamos novamente o governo do estado.

JC - No caso do Rio Grande do Sul, a situação foi inversa.

Borges - Eu sei da história. No caso do Rio Grande do Sul, o Olívio terminou perdendo o governo do Estado, em função desta decisão equivocada e esse assunto foi muito explorado. Mas, paciência, cada um responde por seus erros, acertos e conseqüências.


Por Jornal do Comércio - RS

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente entrevista! governar não é só fazer acordos, é ter planejamento de curto e longo prazo, é ter uma equipe técnica e não política.

Clau disse...

Saramar, eu recomendo o livro do jornalista Diego Casagrande, cujo conteúdo conta as tais experiências petistas no Rio Grande do Sul, inclusive esta da Ford.

É imperdível.

Beijos